O francês Alexandre Raspail, 23, conta que foram as sete horas mais estressantes de sua vida.

“Eu perdi o sono, não sabia o que fazer”, diz, ainda alarmado, ao se lembrar do apagão inesperado que, no início do mês de outubro, tirou do ar o WhatsApp, Facebook e Instagram e transformou a rotina de alguns usuários, gerando momentos de angústia e apreensão.

“Foi muito difícil, porque o meu trabalho depende muito das redes sociais, e ficar sem acesso afeta diretamente a minha capacidade de ganhar dinheiro. Foi uma loucura”, exclama o jovem, que trabalha como agente autônomo na área de marketing digital desde que se mudou para a capital mineira, no período inicial da pandemia da Covid-19.

A pane global das três maiores plataformas de Mark Zuckerberg deixou escancarado um dos maiores temores da sociedade contemporânea: ficar longe dos aplicativos digitais, companheiros de todas as horas para muita gente.

Um relatório publicado em julho deste ano pela própria empresa de Zuckerberg mostra que mais de 2,7 bilhões de pessoas em todo o mundo usam diariamente alguma plataforma do conglomerado norte-americano – seja para trabalho, estudo ou venda de serviços.

Mas, para além dos impactos econômicos e financeiros, o que a interrupção temporária desses serviços expôs mesmo foi a grande dependência digital e o desequilíbrio psicológico que essas ferramentas têm causado na vida de muitas pessoas.

“O fato de muita gente ‘ter surtado’ durante a queda desses serviços é a evidência de uma demanda e dependência emocional aguda produzida pelos modos de vinculação aos dispositivos online”, explica Guilherme Massara, psicanalista e professor do Departamento de Psicologia da UFMG.

Para o professor, os efeitos estão diretamente ligados a uma nova faceta da ansiedade, marcada pelo sentimento de desorientação e desconexão da realidade.

“Não seria difícil supor que esse episódio tenha gerado manifestações de ansiedade, pânico e desespero em muitas pessoas. Tudo isso se reflete no modo de vida atual, no qual cada aspecto do cotidiano é regido pelas mídias digitais. A questão mais urgente a se entender, no entanto, é como vamos ultrapassar os desafios de exercitar essas demandas e habilidades de outro modo, sem a preocupação excessiva de estarmos sempre conectados”, argumenta.

Especialistas apontam, inclusive, que o uso abusivo das redes sociais pode causar vários problemas, como distúrbios na saúde física, mental e emocional. A melhor opção para se lidar com esses sintomas seria fazer uma revisão completa das nossas relações com a internet antes do hábito ultrapassar os limites entre o normal e o exagero, sugere a psicóloga clínica, professora e perita em comportamento humano Patricia Alvarenga.

“A dieta mental é importante e necessária sobretudo neste momento de pandemia que nos assola. É preciso fazer uma reflexão profunda sobre como o Facebook e o Instagram muitas vezes deturpam nossa noção da vida e vendem uma perfeição que não existe. Não é a estética que manda, acima de tudo, nem o Photoshop. Postar fotos o dia inteiro não vai preencher o vazio existencial de ninguém”, aconselha.

A pesquisadora acrescenta que as redes sociais tendem a criar a mesma sensação de prazer que a liberação de dopamina promove. E isso pode criar um vício digital.

“Vivemos grudados em nossos smartphones porque eles são úteis e divertidos, mas, quando começamos a ficar subjugados nesses universos, é hora de repensar nossos hábitos”, completa.

Harmonia entre a esfera online e a realidade

Embora o universo digital como um todo tenha se tornado uma ferramenta necessária na vida contemporânea – facilitando a comunicação e permitindo acesso ao conhecimento – é preciso se precaver para que ele não vire um escape da realidade.

“A verdade é que estar fora do mundo online não é mais uma opção, já faz parte da nossa rotina passar por alguma interação virtual, particularmente neste tempo de isolamento social”, esclarece Cinthia Demaria, psicanalista e mestranda em estudos psicanalíticos pela UFMG.

Mas ela ressalta que não é preciso apagar todas as contas no Facebook, WhatsApp ou Instagram e se jogar de cabeça no mundo offline. O segredo está em usar os serviços de forma controlada e benéfica.

“É óbvio que não se pode dizer que o acesso às redes sociais é de todo problemático. Em muitos casos, o uso da internet é uma saída para o sujeito. Porém, é preciso avaliar nossos laços dentro e fora das redes e ver o que eles têm agregado para a nossa realidade”, aconselha.

O professor Guilherme Massara concorda e acrescenta que não há mais como esperar que o mundo volte para a realidade dos tempos pré-internet, quando os prazeres de se transitar pela vida eram menos neuróticos.

“Seria tragicômico imaginar um mundo distópico em que as pessoas privadas de conexões online não fossem capazes de se relacionar mais diretamente entre si. Interagir com a tecnologia é, em grande medida, um facilitador de muitos processos da vida social”, avalia o estudioso.

E acrescenta: “Talvez chegue um tempo histórico em que os seres humanos percam essa memória, transmitida por outras gerações que conheceram e habitaram o mundo antes da internet. Mas é importante ressaltar que, hoje, ela ainda circula e pode auxiliar em modos de reinvenção dos horizontes de dependência das máquinas, sistemas e processos digitais. O caminho é aliar esses dois mundos para vivermos melhor”, conclui.